Lembrei-me que já faz algum tempo que não posto
nada, procurando o que eu poderia postar lembrei das aulas de
Antropologia e de um texto muito interessante ( foi o texto do primeiro ou
segundo dia de aula daquela disciplina ) sobre O RITUAL DO CORPO ENTRE OS
SONACIREMA, o legal do texto é procurarmos saber quem é esse povo?Por que esses
rituais tão estranhos?Aliás, são rituais estranhos?
A professora nos jogou o questionamento de “Quem
são Os Sonacirema”?Muitos colegas recorreram ao novo pai dos burros (refiro-me
ao Google, nada contra também faço isso as vezes), mais como se tratava de
enigma a lá enigma da Esfinge(decifra-me ou te devoro!) procurei ler e colocar
os meus botões para funcionar, dei minha resposta sobre o meu parecer de quem
era esse povo, não dei a resposta certa ao pé da letra, todavia acho que
acertei, não disse o jogo de letras( ops, estou falando demais já) mas disse que
essa sociedade era muito parecida com...com...
Bom deixe para lá, cada um pode dizer o que acha,
está aqui o texto:
O RITUAL DO CORPO ENTRE OS
SONACIREMA
A maioria das culturas possui uma
configuração particular, ou estilo. Frequentemente, um determinado valor
central ou uma forma de perceber o mundo deixa sua marca em várias instituições
da sociedade.
O antropólogo tornou-se tão
familiarizado com a diversidade de modos pelos quais diferentes povos reagem
diante de situações similares, que não consegue se surpreender mesmo com os
costumes mais exóticos. Com efeito, se todas as combinações logicamente
possíveis de comportamento não tiverem sido encontradas em alguma parte do
mundo, ele tem o direito de suspeitar que elas devem estar presente em alguma
tribo ainda não estudada. Essa observação já foi, de fato, feita com respeito à
organização clânica por Murdock (1949:71). Nesse sentido, as crenças e práticas
mágicas dos Sonacirema apresentam aspectos tão pouco usuais, que nos parece
desejável descrevê-las como exemplo dos extremos a que o comportamento humano
pode chegar.
O Prof. Linton foi o primeiro a
chamar a atenção dos antropólogos para o complexo ritual dos Sonacirema, há
vinte anos (1936:326), mas a cultura desse povo é ainda muito pouco
compreendida.
Trata-se de um grupo
norte-americano que vive no território entre os Cree do Canadá, os Yaqui e os
Tarahumare do México, e os Carib e Arawak das Antilhas. Pouco se sabe sobre sua
origem, embora a tradição relate que vieram do leste. Conforme a mitologia dos
Sonacirema, um herói cultural, Notgnihsaw, deu origem à sua nação; ele é, por
outro lado, conhecido por duas façanhas de força: ter atirado um colar de
conchas, usado pelos Sonacirema como dinheiro, através do rio Po-To-Mac e ter
derrubado uma cerejeira na qual residiria o Espírito da Verdade.
A cultura Sonacirema
caracteriza-se por uma economia de mercado altamente desenvolvida, que evolui
em um rico habitat. Apesar do povo dedicar muito do seu tempo às atividades
econômicas, uma grande parte dos frutos deste trabalho e uma considerável
porção do dia são dispensados em atividades rituais. O foco destas atividades é
o corpo humano, cuja aparência e saúde surgem como o interesse dominante no
ethos deste povo. Embora tal tipo de preocupação não seja incomum, seus
aspectos cerimoniais e a filosofia associada são únicos.
A crença fundamental subjacente a
todo o sistema parece ser a de que o corpo humano é feio, e sua tendência
natural é para a debilidade e a doença. Encarcerado em tal corpo, a única
esperança do homem é se prevenir dessas características, através do uso de
poderosas influências rituais e cerimoniais. Todo grupo doméstico possui um ou
mais santuários dedicados a tal propósito. Os indivíduos mais poderosos dessa
sociedade têm vários santuários em suas casas e, de fato, a opulência de uma
casa é freqüentemente aferida em termos da quantidade que possui desses centros
rituais. A maioria das casas é de taipa, mas os santuários dos mais ricos têm
as paredes cobertas de pedra. As famílias mais pobres imitam os ricos,
aplicando placas de cerâmica nas paredes dos seus santuários.
Embora cada família possua ao
menos um desses santuários, os rituais a eles associados não são cerimônias
familiares, mas sim privadas e secretas. Os ritos, normalmente, só são
discutidos com as crianças, e isso apenas durante a fase em que elas estão
sendo iniciadas nesses mistérios. Eu pude, entretanto, estabelecer com os
nativos uma relação que me permitiu examinar esses santuários e ouvir
descrições desses rituais.
O ponto focal do santuário é uma
caixa ou arca embutida na parede. Nessa arca são guardados os muitos feitiços e
poções mágicas, sem os quais nenhum nativo acredita que poderia viver. Tais
preparados são obtidos de vários profissionais especializados. Entre estes, os
mais poderosos são os curandeiros, cujos serviços precisam ser recompensados
por meio de presentes substanciais. No entanto, o curandeiro não fornece as
poções curativas para os seus clientes, decidindo apenas quais devem ser seus
ingredientes e escrevendo-os em seguida em uma linguagem antiga e secreta. Tal
escrita só pode ser compreendida pelo curandeiro e pelos herbanários, os quais,
mediante outros presentes, fornecem o feitiço solicitado.
O feitiço não é descartado depois
de ter servido a seu propósito, e sim colocado na caixa de mágicas do santuário
doméstico. Como esses materiais mágicos são específicos para certas doenças, e
as doenças reais ou imaginárias desse povo são muitas, a caixa de mágica
costuma estar sempre transbordando. Os pacotes mágicos são tão numerosos que as
pessoas esquecem sua serventia original, e temem usá-los de novo. Embora os
nativos tenham se mostrado muito vagos a esse respeito, podemos apenas concluir
que a idéia subjacente ao costume de se guardar todos esses velhos materiais
mágicos é a de que sua presença na caixa de mágicas, diante da qual os ritos do
corpo são encenados, protegerá de alguma forma o fiel.
Embaixo da caixa de mágicas
existe uma pequena fonte. Todo dia, cada membro da família, em sucessão, entra
no quarto do santuário, curva a cabeça diante da caixa d'água, mistura
diferentes tipos de água sagrada na fonte, e realiza um breve rito de ablução.
As águas sagradas são obtidas do Templo da Água da comunidade, onde os
sacerdotes conduzem elaboradas cerimônias para manter o líquido ritualmente
puro.
Na hierarquia dos profissionais
da magia, e abaixo do curandeiros em termos de prestígio, estão especialistas
cuja designação é melhor traduzida por "homens-da-boca-sagrada". Os
Sonacirema têm um horror e uma fascinação pela boca que chega às raias da
patologia. Acredita-se que a condição da boca possua uma influência
sobrenatural em todas as relações sociais. Não fosse pelos rituais da boca, os
Sonacirema acreditam que seus dentes cairiam, suas gengivas sangrariam, suas
mandíbulas encolheriam, seus amigos os abandonariam, e seus amantes os
rejeitariam. Eles também acreditam na existência de uma forte relação entre
características orais e morais. Assim, por exemplo, existe uma ablução ritual
da boca das crianças que se supõe desenvolver sua fibra moral.
O ritual do corpo cotidianamente
realizado por todos inclui um rito bucal. Apesar do fato de essas pessoas serem
tão meticulosas no que diz respeito ao cuidado da boca, esse rito envolve uma
prática que o estrangeiro não-iniciado não consegue deixar de achar repugnante.
Conforme foi-me descrito, o rito consiste na inserção de um pequeno feixe de
cerdas de porco na boca, juntamente com certos pós mágicos, seguida da
movimentação desse feixes segundo uma série de gestos altamente formalizados.
Além desse rito bucal privado, as
pessoas procuram um "homem-da-boca-sagrada" uma ou duas vezes por
ano. Esses profissionais possuem uma impressionante parafernália, que consiste
em uma variedade de perfuratrizes, furadores, sondas e agulhas. O uso desses
objetos no exorcismo dos perigos da boca envolve uma tortura ritual do cliente
quase inacreditável. O "homem-da-boca-sagrada" abre a boca do cliente
e, usando as ferramentas citadas, alarga qualquer buraco que o uso tenha feito
nos dentes. Materiais mágicos são então depositados nesses buracos. Se não se
encontram buracos naturais nos dentes, grandes seções de um ou mais dentes são
cerradas, para que a substância sobrenatural possa ser aplicada. Na visão do
cliente, o objetivo dessas aplicações é deter o apodrecimento dos dentes e
atrair amigos. O caráter extremamente sagrado e tradicional do rito fica
evidente no fato de que os nativos retomam todo ano ao
"homem-da-boca-sagrada", apesar do fato de que seus dentes continuam
a se deteriorar.
Deve-se esperar que, quando um
estudo abrangente dos Sonacirema for feito, seja realizada uma pesquisa
cuidadosa sobre a estrutura da personalidade desses nativos. Basta observar o
brilho nos olhos de um "homem-da-boca-sagrada", quando ele enfia uma
agulha em um nervo exposto, para que se suspeite de que uma certa dose de
sadismo está presente. Se isso puder ser verificado, um padrão muito
interessante emergirá, posto que a maioria da população mostra tendências
masoquistas bem definidas. Era a tais tendências que o Prof. Linton se referia,
ao discutir uma parte especial do ritual cotidiano do corpo que é realizada
apenas pelos homens. Essa parte do rito envolve uma lanhadura e laceração da
superfície do rosto por meio de instrumento cortante. Ritos femininos especiais
ocorrem somente quatro vezes por mês lunar, mas o que lhes falta em freqüência
sobra em barbárie. Como parte dessa cerimônia, as mulheres assam suas cabeças
em pequenos fornos durante mais ou menos uma hora. O ponto teoricamente
interessante é que um povo que parece ser predominantemente masoquista tenha
desenvolvido especialistas sádicos.
Os curandeiros possuem um templo
imponente, ou latpso, em cada comunidade de algum tamanho. As cerimônias mais
elaboradas, necessárias para o tratamento de pacientes muito doentes, só podem
ser realizadas nesse templo. Tais cerimônias envolvem não só o taumaturgo, mas
também um grupo permanente de vestais, que se movimentam calmamente pelas
câmaras do templo com uma indumentária e um penteado distintivos.
As cerimônias latpso são tão
rudes que é impressionante o fato de que uma razoável proporção dos nativos
realmente doentes que entram no templo consiga curar-se. Crianças pequenas,
cuja doutrinação é ainda incompleta, costumam resistir às tentativas de
levá-las ao templo, alegando que "é aonde você vai para morrer".
Apesar disso, os doentes adultos não apenas desejam, como ficam ansiosos para
submeter-se à prolongada purificação ritual, se eles possuem meios para tanto.
Os guardiões dos muitos templos, não importa quão doente o suplicante ou quão
grave a emergência, não admitem o cliente se ele não puder dar um rico presente
ao zelador. Mesmo depois que conseguiu a admissão e sobreviveu às cerimônias,
os guardiões não permitem a saída do neófito até que este dê ainda outro
presente.
O(a) suplicante, ao entrar no
templo, é primeiramente despido(a) de todas as suas roupas. Na vida cotidiana,
os Sonacirema evitam a exposição de seus corpos e de suas funções naturais. O
banho e a excreção são realizados somente na intimidade do santuário doméstico,
onde são ritualizados, fazendo parte dos ritos corporais. Choques psicológicos
resultam da súbita perda da privacidade corporal, ao se entrar no latpso. Um
homem, cuja própria mulher jamais o viu enquanto realizava um ato excretório,
subitamente encontra-se nu, assistido por uma vestal, enquanto executa suas
funções naturais dentro de um vaso sagrado. Esse tipo de tratamento cerimonial
é necessário porque os excrementos são usados por um adivinho para diagnosticar
o curso e a natureza da doença do paciente. Os clientes femininos, por seu
lado, vêem seus corpos nus submetidos ao escrutínio, manipulação e cutucadas
dos curandeiros.
Poucos suplicantes no templo
estão suficientemente bem para fazer qualquer coisa que não seja ficarem
deitados em suas camas duras. As cerimônias diárias, como os ritos do
"homem-da-boca-sagrada", envolvem desconforto e tortura. Com precisão
ritual, as vestais acordam a cada madrugada seus miseráveis pacientes,
rolam-nos em seus leitos de dor, enquanto realizam abluções, cujos movimentos
formalizados são objeto de treinamento intensivo das vestais. Em outros
momentos, elas inserem varas mágicas na boca do paciente, ou obrigam-no a comer
substâncias que são consideradas curativas. De tempos em tempos, os curandeiros
vêm a seus pacientes e introduzem agulhas magicamente tratadas em sua carne. O
fato de que essas cerimônias do templo possam não curar, e possam mesmo matar o
neófito, não diminui de modo algum a fé do povo nos curandeiros.
Ainda resta um outro tipo de
especialista, conhecido como "escutador". Esse feiticeiro tem o poder
de exorcizar os demônios que se alojam nas cabeças das pessoas que foram
enfeitiçadas. Os Sonacirema acreditam que os pais enfeitiçam seus próprios
filhos. As mães são particularmente suspeitas de amaldiçoarem suas crianças,
enquanto ensinam a elas os ritos corporais secretos. A contra-magia do
feiticeiro "escutador" é singular por sua ausência de ritual. O
paciente simplesmente conta ao "escutador" todos seus problemas e
medos, começando com as primeiras dificuldades de que pode se lembrar. A
memória exibida pelos Sonacirema nessas sessões de exorcismo é verdadeiramente
notável. Não é incomum que o paciente lamente a rejeição que sentiu ao ser
desmamado, e alguns indivíduos chegam mesmo a localizar seus problemas
retrocedendo aos efeitos traumáticos de seu próprio nascimento.
Para concluirmos, deve-se
mencionar certas práticas que estão baseadas na estética nativa, mas que
dependem da aversão generalizada ao corpo e às suas funções naturais. Há jejuns
rituais para tornar magras pessoas gordas, e banquetes cerimoniais para tornar
gordas pessoas magras. Outros ritos são usados para tornar maiores os seios das
mulheres, se eles são pequenos, e menores, se eles são grandes. Uma
insatisfação geral com a forma dos seios é simbolizada pelo fato de que a forma
ideal está virtualmente fora do espectro da variação humana. Umas poucas
mulheres que sofrem de um quase inumano desenvolvimento hipermamário são tão
idolatradas, que podem viver muito bem simplesmente indo de aldeia a aldeia, e
permitindo aos nativos admirá-las mediante um pagamento.
Já fizemos referência ao fato de
que as funções excretórias são ritualizadas, rotinizadas e relegadas ao domínio
do secreto. As funções reprodutivas naturais são igualmente distorcidas. O
intercurso sexual é tabu como tópico de conversa, e programado enquanto ato.
Esforços são feitos para evitar a gravidez por meio do uso de materiais
mágicos, ou pela limitação do intercurso a certas fases da lua. A concepção é
realmente muito pouco freqüente. Quando grávidas, as mulheres se vestem de
forma a ocultar seu estado. O parto ocorre em segredo, sem amigos ou parentes
para assistir, e a maioria das mulheres não amamenta seus bebês.
Nossa descrição da vida ritual
dos Sonacirema certamente mostrou que eles são um povo obcecado pela magia. É
difícil compreender como eles conseguiram sobreviver por tanto tempo debaixo
dos pesados fardos que eles mesmos se impuseram. Mas mesmo costumes tão
exóticos quanto esses ganham seu verdadeiro sentido quando vistos a partir da
perspectiva dada por Malinowski, quando escreveu (1948:70):
"Olhando de cima de longe,
de nossos lugares seguros e elevados da civilização desenvolvida, é fácil ver
toda a rudeza e irrelevância da magia. Mas sem seu poder e sua orientação, o
homem primitivo não poderia ter superado suas dificuldades práticas como o fez,
nem poderia o homem ter avançado até os mais altos estágios da
civilização."
REFERÊNCIAS
CITADAS
LINTON,
RALPH 1936 The Study of Man. NewYork, D. Appleton-Century Co.
MALINOWSKI,
BRONISLAW 1948 Magic, Science, and Religion. Glencoe, The Free Press
MURDOCK,
GEORGE P. 1949 Social Structure. New Y ork, The Macmillan Co.
1
Publicação original: “Body ritual among the Sonacirema”, American
Anthropologist, Vol. 58, n° 3
(1956).
p. 503-507.
2
University of Michigan, professor.