terça-feira, 26 de março de 2013

Folha de São Paulo: Sandro José de Souza: O meu genoma



Recentemente, tornei acessível a quem interessar a sequência do meu próprio genoma. Ela está disponível no banco público mantido pelo Instituto Nacional de Saúde dos EUA (www.ncbi.nlm.nih.gov/sra/SRX208349 ), bem como nas páginas do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e do Instituto de Bioinformática e Biotecnologia.
Quando disse isso a um amigo, ele imediatamente retrucou: "Você não tem medo de que essa informação seja usada contra você?".
Ele se referia à possibilidade de que a informação contida no meu genoma seja usada, por exemplo, por seguradoras de saúde ou empregadores e que eu sofra algum tipo de discriminação por algo que me foi passado pelos meus pais (não que eles tenham qualquer culpa).
O progresso atingido nos últimos anos nas tecnologias de sequenciamento do DNA é algo realmente espantoso. Há cerca de 12 anos, o Projeto Genoma Humano, financiado principalmente pelo governo americano, custou US$ 3 bilhões. Hoje, sequencia-se um genoma por algo em torno de US$ 2.000. Estima-se que, ao final de 2013, teremos dezenas de milhares de genomas humanos sequenciados.
Todos os leitores deste artigo que estiverem vivos daqui a dez anos terão o seu genoma sequenciado e essa informação será usada rotineiramente nas suas consultas médicas. Isso é um processo irreversível, que já traz uma série de benefícios à humanidade, principalmente na área da saúde, mas também em outras como as da agricultura e da pecuária.
A minha resposta à pergunta amiga foi um sonoro não. Apesar de concordar que, em teoria, há o risco de discriminação genética, os benefícios ultrapassam-no. O conhecimento das predisposições genéticas leva, por exemplo, a mudanças de hábito. Um indivíduo que venha a ter uma predisposição genética a problemas cardíacos, por exemplo, pode minimizar esse risco por meio de uma dieta equilibrada e atividade física regular.
No entanto, o principal motivo da minha atitude em disponibilizar o meu genoma foi exatamente fomentar um debate que é fundamental ao Brasil nos dias atuais. Precisamos de uma legislação que proteja o cidadão de qualquer tipo de discriminação genética.
Em 2008, tornou-se efetiva nos Estados Unidos a "Genetic Information Nondiscrimination Act" (lei contra a discriminação genética), segundo a qual fica proibido qualquer tipo de discriminação contra um indivíduo devido às informações presente no seu genoma.
No Brasil, o assunto ainda não está regulamentado. Tramita no Congresso Nacional desde 1998 o projeto de lei 4.610/98 que define os crimes de discriminação genética. Vários outros projetos de lei foram propostos nos últimos 15 anos, todos apensados ao PL 4.610/98.
Assim como qualquer tipo de discriminação, a genética corrompe a integridade do indivíduo. Nas atuais circunstâncias, em que a utilização da informação genética afeta de forma positiva a vida dos brasileiros, torna-se crítica uma aceleração no trâmite dos projetos de lei relacionados a esse tema. Convido os nossos legisladores a agirem de forma urgente.
SANDRO JOSÉ DE SOUZA, 45, é professor titular do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e presidente do Instituto de Bioinformática e Biotecnologia (2Bio)
Nota do Blog: O artigo do professor Sandro José de Souza foi publicado na Folha de São Paulo dia 24 de março de 2013.

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