Recentemente, tornei acessível a
quem interessar a sequência do meu próprio genoma. Ela está disponível no banco
público mantido pelo Instituto Nacional de Saúde dos EUA (www.ncbi.nlm.nih.gov/sra/SRX208349 ), bem como
nas páginas do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte e do Instituto de Bioinformática e Biotecnologia.
Quando disse isso a um amigo, ele
imediatamente retrucou: "Você não tem medo de que essa informação seja
usada contra você?".
Ele se referia à possibilidade de
que a informação contida no meu genoma seja usada, por exemplo, por seguradoras
de saúde ou empregadores e que eu sofra algum tipo de discriminação por algo
que me foi passado pelos meus pais (não que eles tenham qualquer culpa).
O progresso atingido nos últimos
anos nas tecnologias de sequenciamento do DNA é algo realmente espantoso. Há
cerca de 12 anos, o Projeto Genoma Humano, financiado principalmente pelo
governo americano, custou US$ 3 bilhões. Hoje, sequencia-se um genoma por algo
em torno de US$ 2.000. Estima-se que, ao final de 2013, teremos dezenas de
milhares de genomas humanos sequenciados.
Todos os leitores deste artigo
que estiverem vivos daqui a dez anos terão o seu genoma sequenciado e essa
informação será usada rotineiramente nas suas consultas médicas. Isso é um
processo irreversível, que já traz uma série de benefícios à humanidade,
principalmente na área da saúde, mas também em outras como as da agricultura e
da pecuária.
A minha resposta à pergunta amiga
foi um sonoro não. Apesar de concordar que, em teoria, há o risco de
discriminação genética, os benefícios ultrapassam-no. O conhecimento das
predisposições genéticas leva, por exemplo, a mudanças de hábito. Um indivíduo
que venha a ter uma predisposição genética a problemas cardíacos, por exemplo,
pode minimizar esse risco por meio de uma dieta equilibrada e atividade física
regular.
No entanto, o principal motivo da
minha atitude em disponibilizar o meu genoma foi exatamente fomentar um debate
que é fundamental ao Brasil nos dias atuais. Precisamos de uma legislação que
proteja o cidadão de qualquer tipo de discriminação genética.
Em 2008, tornou-se efetiva nos
Estados Unidos a "Genetic Information Nondiscrimination Act" (lei
contra a discriminação genética), segundo a qual fica proibido qualquer tipo de
discriminação contra um indivíduo devido às informações presente no seu genoma.
No Brasil, o assunto ainda não
está regulamentado. Tramita no Congresso Nacional desde 1998 o projeto de lei
4.610/98 que define os crimes de discriminação genética. Vários outros projetos
de lei foram propostos nos últimos 15 anos, todos apensados ao PL 4.610/98.
Assim como qualquer tipo de
discriminação, a genética corrompe a integridade do indivíduo. Nas atuais
circunstâncias, em que a utilização da informação genética afeta de forma
positiva a vida dos brasileiros, torna-se crítica uma aceleração no trâmite dos
projetos de lei relacionados a esse tema. Convido os nossos legisladores a
agirem de forma urgente.
SANDRO
JOSÉ DE SOUZA, 45, é
professor titular do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte e presidente do Instituto de Bioinformática e Biotecnologia (2Bio)
Nota do Blog: O artigo do professor Sandro
José de Souza foi publicado na Folha de São Paulo dia 24 de março de 2013.
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