segunda-feira, 18 de junho de 2012

Excelente Artigo:Vale a pena ler.


Cassio Leite Vieira é jornalista do Instituto Ciência Hoje e coautor de "A Revolução dos Q-Bits" (Zahar). Artigo publicado na Folha de São Paulo do dia 5 de junho.
Às vésperas da Rio+20, talvez a história da ciência e a filosofia possam ensinar algo sobre o planeta e os humanos.
Se uma pesquisa tivesse sido feita no final do século 19 entre os grandes nomes da física, é bem provável que aqueles luminares aceitassem, como realidade incontroversa, a existência do éter (meio com propriedades tanto esquisitas quanto paradoxais que serviria de suporte para a propagação da luz). Em 1905, Albert Einstein (1879-1955), com sua teoria da relatividade, descartaria essa "propriedade" do espaço. Cerca de 20 anos depois, porém, ainda havia cientista que acreditasse em tal suporte.
Conceitos científicos arraigados são difíceis de matar. O físico alemão Max Planck (1859-1947) dizia que uma verdade científica não triunfa pelo convencimento de seus oponentes, mas, sim, porque estes últimos acabam morrendo, e ela se torna familiar a uma nova geração. O historiador marxista britânico Eric Hobsbawm põe a ciência como a forma de cultura mais influente do século 20. Para o bem e para o mal.
Ao longo da história, cientistas obtiveram resultados grandiosos - um deles é, sem dúvida, a teoria da relatividade, que permitiu o primeiro modelo cosmológico de base científica. Mas produziram fraudes e pseudociência - esta última quando o cientista crê que aquilo que obteve é verdadeiro.
Ciência está longe de ser pura, imaculada, como às vezes é vendida. Ciência tem muito de marketing. Quando um novo campo científico nasce (por exemplo, engenharia genética e nanotecnologia), ele traz sua carga de promessas. Nessas horas, cientistas, incensados pela mídia, desfilam futurologias (do bem, obviamente), pois sabem que isso traz visibilidade (e financiamento) para os seus laboratórios ou os seus projetos.
A história da ciência, no entanto, ensina: o cemitério das promessas científicas está cheio de covas profundas e esquecidas - grande parte delas preenchidas com medicamentos e vacinas contra males ainda incuráveis.
Rio+20 - Fraudes, pseudociência, aceitação forçada de paradigmas, medo da discordância e do debate franco... todas mazelas criadas em nome do prestígio, da vaidade, de egos exacerbados, da competição, do medo de macular a carreira, da pressa em publicar etc.
Mas o que tudo isso tem a ver com a Rio+20? Vejamos.
O filósofo alemão Jürgen Habermas diz que um dos traços das democracias modernas é que o público tem que lidar com políticas como "pacotes fechados", dizendo apenas se é a favor ou contra eles, sem discussões mais aprofundadas.
Se pudermos estender essa característica política às tendências ambientalistas, então o caso emblemático de "pacote fechado" talvez seja a questão do aquecimento global ou das mudanças climáticas - a escolha vai depender dos interesses políticos e econômicos do sujeito, como já revelaram pesquisas.
O leitor acredita em qual pacote? Crê no aquecimento global ou é cético?
A impenetrabilidade de Habermas aponta um caminho perigoso: grandes teorias científicas, por sua complexidade, acabam sendo aceitas como dogma. Ou rejeitadas como um. Na questão climática, o "sim" (aceitação) preponderou até agora - afinal, é difícil, mesmo para um cientista, levantar a voz contra um documento, o relatório do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), que traz a assinatura de mais ou menos 2.500 especialistas com doutorado.
Ceticismo - Mas, agora, parece brotar certo desconforto entre os próprios cientistas. Caso emblemático: 16 deles, todos renomados, publicaram manifesto nas páginas do "The Wall Street Journal" (26.jan.12) com o sugestivo título "Não é preciso se apavorar com o aquecimento global". Basicamente, dizem que não é necessário tomar medidas drásticas, no curto prazo, contra o aquecimento global, que o gás carbônico não é poluente e que as evidências do fenômeno não podem ser consideradas incontroversas (essas últimas são palavras de um Nobel de Física).
Respostas a esses céticos já são encontradas a granel na internet. Uma delas é a de William D. Nordhaus, professor de economia na Universidade Yale (EUA), "Por que os céticos do clima estão errados" ("New York Review of Books", 22.fev.12).
A mídia tem culpa na solidificação de paradigmas na ciência. Costuma -pela própria essência do jornalismo sobre ciência- privilegiar resultados e profecias em detrimento de dúvidas e reveses. Ciência, por sinal, nas palavras do filósofo britânico John Gray, é, hoje, o terreno das certezas; as dúvidas, diz ele, ficaram para a religião.
Nos jornais, há crítica de teatro, literatura, cinema, artes, música, gastronomia... E de ciência? Afinal, ela não é uma forma de cultura, a mais influente do século passado, segundo Hobsbawm?
Parte do esclarecimento (certezas e, principalmente, dúvidas) deveria vir dos próprios cientistas. Mas a verdade é que eles são resistentes em falar com um público que mal entende um fenômeno básico do cotidiano e titubeia perante matemática simples. O debate darwinismo versus criacionismo (e também ciência versus esoterismo) corrobora o dito acima.
À beira da Rio+20, o "Manifesto dos 16" foi pancada forte. Mas o que fraquejou pernas e esvaziou pulmões científicos foi a revelação, há poucos anos, de mensagens de um especialista da área em que estava confessa a manipulação de dados pró-aquecimento -é o lado humano (sem aspas) dessa atividade. O vazamento abalou profundamente a crença pública - e a de cientistas- em um conhecimento reunido arduamente nas últimas décadas.
É improvável que 2.500 especialistas estejam errados. Mas vale ter em mente o caso do éter, que abre este texto.
Para finalizar, retome-se Gray, com seu magistral e impressionante "Cachorros de Palha" (Record, 2005). O filósofo defende que o movimento verde sofre, nas origens, do mesmo mal do cristianismo e da própria ciência, a saber: o humanismo, este no sentido de que o homem é superior a outras espécies animais, é senhor de seu destino, pode controlar a tecnologia que cria e acredita na ilusão de progresso - algo que o britânico diz fazer sentido só no âmbito da ciência e não na ética, na política, nas artes, na literatura...
Natureza humana - Gray defende que a espécie humana é dominadora e destrutiva. E não adianta tergiversar, diz ele: somos assim, é a nossa natureza humana, algo negado, na política, ao longo da história, pela direita e pela esquerda e que está, para ficar num só exemplo, na raiz de genocídios.
O alento em todo o pessimismo de Gray é que a Terra, como sistema robusto que é, resistirá à infecção por humanos. Mas a um preço: destruição da fauna e da flora. Seguindo o pessimismo de Gray, é possível que tudo o que foi dito até aqui seja algo de menor importância. "A destruição do mundo natural não é o resultado do capitalismo global, da industrialização, da 'civilização ocidental' ou de qualquer falha nas instituições humanas. É consequência do sucesso evolucionário de um primata excepcionalmente rapinador. Ao longo de toda a história e pré-história, o avanço humano tem coincidido com devastação ecológica", escreve ele.
Neste momento de Rio+20, a reflexão mais profunda, talvez, não deva ser sobre essa ou aquela política, esse ou aquele dado científico, isso ou aquilo da economia. Mas, sim, sobre quem (realmente) somos, se valemos a pena.
E uma das análises mais profundas sobre essa questão está em "Cachorros de Palha". Vale ler, mesmo que seja para discordar.
* A equipe do Jornal da Ciência esclarece que o conteúdo e opiniões expressas nos artigos assinados são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do jornal.




domingo, 17 de junho de 2012

Reflexão



Segundo a mitologia Maia Huracám (um dos deuses do panteão Maia) fez várias tentativas de criar a humanidade, em uma delas( já quase desistindo) ele amassou milho branco e amarelo até formar uma pasta.
 Com ela, criou os primeiros quatro homens, contudo ele percebeu que os homens eram inteligentes demais. Então ele soprou uma neblina em seus olhos para que só enxergassem perto e nunca quissesem virar deuses...
Moral da história:
Muitos hoje ainda tem essa neblina em excesso na vista...outros já a retiraram e se acham tão poderosos quantos os deuses...Não sei bem...Mais acho que o meio termo é sempre a melhor opção.
O deus Huracán da civilização Maia, ele teria sido responsável por criar os primeiros homens, no entanto deu uma  "VISÃO" reduzida (jogou a neblina) para que suas criaturas não quisessem serem iguais ao seu criador...

Eriberto Esdras de Oliveira

terça-feira, 12 de junho de 2012

Um enigma: QUEM SÃO OS SONACIREMA?

Lembrei-me que já faz algum tempo que não posto nada, procurando o que  eu poderia postar lembrei das aulas de Antropologia e de um texto muito interessante ( foi o texto do primeiro ou segundo dia de aula daquela disciplina ) sobre O RITUAL DO CORPO ENTRE OS SONACIREMA, o legal do texto é procurarmos saber quem é esse povo?Por que esses rituais tão estranhos?Aliás, são rituais estranhos?

A professora nos jogou o questionamento de “Quem são Os Sonacirema”?Muitos colegas recorreram ao novo pai dos burros (refiro-me ao Google, nada contra também faço isso as vezes), mais como se tratava de enigma a lá enigma da Esfinge(decifra-me ou te devoro!) procurei ler e colocar os meus botões para funcionar, dei minha resposta sobre o meu parecer de quem era esse povo, não dei a resposta certa ao pé da letra, todavia acho que acertei, não disse o jogo de letras( ops, estou falando demais já) mas disse que essa sociedade era muito parecida com...com...

Bom deixe para lá, cada um pode dizer o que acha, está aqui o texto:


O RITUAL DO CORPO ENTRE OS SONACIREMA
Horace Minner[1]

         A maioria das culturas possui uma configuração particular, ou estilo. Frequentemente, um determinado valor central ou uma forma de perceber o mundo deixa sua marca em várias instituições da sociedade.

     O antropólogo tornou-se tão familiarizado com a diversidade de modos pelos quais diferentes povos reagem diante de situações similares, que não consegue se surpreender mesmo com os costumes mais exóticos. Com efeito, se todas as combinações logicamente possíveis de comportamento não tiverem sido encontradas em alguma parte do mundo, ele tem o direito de suspeitar que elas devem estar presente em alguma tribo ainda não estudada. Essa observação já foi, de fato, feita com respeito à organização clânica por Murdock (1949:71). Nesse sentido, as crenças e práticas mágicas dos Sonacirema apresentam aspectos tão pouco usuais, que nos parece desejável descrevê-las como exemplo dos extremos a que o comportamento humano pode chegar.
           O Prof. Linton foi o primeiro a chamar a atenção dos antropólogos para o complexo ritual dos Sonacirema, há vinte anos (1936:326), mas a cultura desse povo é ainda muito pouco compreendida.
Trata-se de um grupo norte-americano que vive no território entre os Cree do Canadá, os Yaqui e os Tarahumare do México, e os Carib e Arawak das Antilhas. Pouco se sabe sobre sua origem, embora a tradição relate que vieram do leste. Conforme a mitologia dos Sonacirema, um herói cultural, Notgnihsaw, deu origem à sua nação; ele é, por outro lado, conhecido por duas façanhas de força: ter atirado um colar de conchas, usado pelos Sonacirema como dinheiro, através do rio Po-To-Mac e ter derrubado uma cerejeira na qual residiria o Espírito da Verdade.
      A cultura Sonacirema caracteriza-se por uma economia de mercado altamente desenvolvida, que evolui em um rico habitat. Apesar do povo dedicar muito do seu tempo às atividades econômicas, uma grande parte dos frutos deste trabalho e uma considerável porção do dia são dispensados em atividades rituais. O foco destas atividades é o corpo humano, cuja aparência e saúde surgem como o interesse dominante no ethos deste povo. Embora tal tipo de preocupação não seja incomum, seus aspectos cerimoniais e a filosofia associada são únicos.
          A crença fundamental subjacente a todo o sistema parece ser a de que o corpo humano é feio, e sua tendência natural é para a debilidade e a doença. Encarcerado em tal corpo, a única esperança do homem é se prevenir dessas características, através do uso de poderosas influências rituais e cerimoniais. Todo grupo doméstico possui um ou mais santuários dedicados a tal propósito. Os indivíduos mais poderosos dessa sociedade têm vários santuários em suas casas e, de fato, a opulência de uma casa é freqüentemente aferida em termos da quantidade que possui desses centros rituais. A maioria das casas é de taipa, mas os santuários dos mais ricos têm as paredes cobertas de pedra. As famílias mais pobres imitam os ricos, aplicando placas de cerâmica nas paredes dos seus santuários.
           Embora cada família possua ao menos um desses santuários, os rituais a eles associados não são cerimônias familiares, mas sim privadas e secretas. Os ritos, normalmente, só são discutidos com as crianças, e isso apenas durante a fase em que elas estão sendo iniciadas nesses mistérios. Eu pude, entretanto, estabelecer com os nativos uma relação que me permitiu examinar esses santuários e ouvir descrições desses rituais.
         O ponto focal do santuário é uma caixa ou arca embutida na parede. Nessa arca são guardados os muitos feitiços e poções mágicas, sem os quais nenhum nativo acredita que poderia viver. Tais preparados são obtidos de vários profissionais especializados. Entre estes, os mais poderosos são os curandeiros, cujos serviços precisam ser recompensados por meio de presentes substanciais. No entanto, o curandeiro não fornece as poções curativas para os seus clientes, decidindo apenas quais devem ser seus ingredientes e escrevendo-os em seguida em uma linguagem antiga e secreta. Tal escrita só pode ser compreendida pelo curandeiro e pelos herbanários, os quais, mediante outros presentes, fornecem o feitiço solicitado.
          O feitiço não é descartado depois de ter servido a seu propósito, e sim colocado na caixa de mágicas do santuário doméstico. Como esses materiais mágicos são específicos para certas doenças, e as doenças reais ou imaginárias desse povo são muitas, a caixa de mágica costuma estar sempre transbordando. Os pacotes mágicos são tão numerosos que as pessoas esquecem sua serventia original, e temem usá-los de novo. Embora os nativos tenham se mostrado muito vagos a esse respeito, podemos apenas concluir que a idéia subjacente ao costume de se guardar todos esses velhos materiais mágicos é a de que sua presença na caixa de mágicas, diante da qual os ritos do corpo são encenados, protegerá de alguma forma o fiel.
           Embaixo da caixa de mágicas existe uma pequena fonte. Todo dia, cada membro da família, em sucessão, entra no quarto do santuário, curva a cabeça diante da caixa d'água, mistura diferentes tipos de água sagrada na fonte, e realiza um breve rito de ablução. As águas sagradas são obtidas do Templo da Água da comunidade, onde os sacerdotes conduzem elaboradas cerimônias para manter o líquido ritualmente puro.
        Na hierarquia dos profissionais da magia, e abaixo do curandeiros em termos de prestígio, estão especialistas cuja designação é melhor traduzida por "homens-da-boca-sagrada". Os Sonacirema têm um horror e uma fascinação pela boca que chega às raias da patologia. Acredita-se que a condição da boca possua uma influência sobrenatural em todas as relações sociais. Não fosse pelos rituais da boca, os Sonacirema acreditam que seus dentes cairiam, suas gengivas sangrariam, suas mandíbulas encolheriam, seus amigos os abandonariam, e seus amantes os rejeitariam. Eles também acreditam na existência de uma forte relação entre características orais e morais. Assim, por exemplo, existe uma ablução ritual da boca das crianças que se supõe desenvolver sua fibra moral.
        O ritual do corpo cotidianamente realizado por todos inclui um rito bucal. Apesar do fato de essas pessoas serem tão meticulosas no que diz respeito ao cuidado da boca, esse rito envolve uma prática que o estrangeiro não-iniciado não consegue deixar de achar repugnante. Conforme foi-me descrito, o rito consiste na inserção de um pequeno feixe de cerdas de porco na boca, juntamente com certos pós mágicos, seguida da movimentação desse feixes segundo uma série de gestos altamente formalizados.
        Além desse rito bucal privado, as pessoas procuram um "homem-da-boca-sagrada" uma ou duas vezes por ano. Esses profissionais possuem uma impressionante parafernália, que consiste em uma variedade de perfuratrizes, furadores, sondas e agulhas. O uso desses objetos no exorcismo dos perigos da boca envolve uma tortura ritual do cliente quase inacreditável. O "homem-da-boca-sagrada" abre a boca do cliente e, usando as ferramentas citadas, alarga qualquer buraco que o uso tenha feito nos dentes. Materiais mágicos são então depositados nesses buracos. Se não se encontram buracos naturais nos dentes, grandes seções de um ou mais dentes são cerradas, para que a substância sobrenatural possa ser aplicada. Na visão do cliente, o objetivo dessas aplicações é deter o apodrecimento dos dentes e atrair amigos. O caráter extremamente sagrado e tradicional do rito fica evidente no fato de que os nativos retomam todo ano ao "homem-da-boca-sagrada", apesar do fato de que seus dentes continuam a se deteriorar.
        Deve-se esperar que, quando um estudo abrangente dos Sonacirema for feito, seja realizada uma pesquisa cuidadosa sobre a estrutura da personalidade desses nativos. Basta observar o brilho nos olhos de um "homem-da-boca-sagrada", quando ele enfia uma agulha em um nervo exposto, para que se suspeite de que uma certa dose de sadismo está presente. Se isso puder ser verificado, um padrão muito interessante emergirá, posto que a maioria da população mostra tendências masoquistas bem definidas. Era a tais tendências que o Prof. Linton se referia, ao discutir uma parte especial do ritual cotidiano do corpo que é realizada apenas pelos homens. Essa parte do rito envolve uma lanhadura e laceração da superfície do rosto por meio de instrumento cortante. Ritos femininos especiais ocorrem somente quatro vezes por mês lunar, mas o que lhes falta em freqüência sobra em barbárie. Como parte dessa cerimônia, as mulheres assam suas cabeças em pequenos fornos durante mais ou menos uma hora. O ponto teoricamente interessante é que um povo que parece ser predominantemente masoquista tenha desenvolvido especialistas sádicos.
           Os curandeiros possuem um templo imponente, ou latpso, em cada comunidade de algum tamanho. As cerimônias mais elaboradas, necessárias para o tratamento de pacientes muito doentes, só podem ser realizadas nesse templo. Tais cerimônias envolvem não só o taumaturgo, mas também um grupo permanente de vestais, que se movimentam calmamente pelas câmaras do templo com uma indumentária e um penteado distintivos.
      As cerimônias latpso são tão rudes que é impressionante o fato de que uma razoável proporção dos nativos realmente doentes que entram no templo consiga curar-se. Crianças pequenas, cuja doutrinação é ainda incompleta, costumam resistir às tentativas de levá-las ao templo, alegando que "é aonde você vai para morrer". Apesar disso, os doentes adultos não apenas desejam, como ficam ansiosos para submeter-se à prolongada purificação ritual, se eles possuem meios para tanto. Os guardiões dos muitos templos, não importa quão doente o suplicante ou quão grave a emergência, não admitem o cliente se ele não puder dar um rico presente ao zelador. Mesmo depois que conseguiu a admissão e sobreviveu às cerimônias, os guardiões não permitem a saída do neófito até que este dê ainda outro presente.
       O(a) suplicante, ao entrar no templo, é primeiramente despido(a) de todas as suas roupas. Na vida cotidiana, os Sonacirema evitam a exposição de seus corpos e de suas funções naturais. O banho e a excreção são realizados somente na intimidade do santuário doméstico, onde são ritualizados, fazendo parte dos ritos corporais. Choques psicológicos resultam da súbita perda da privacidade corporal, ao se entrar no latpso. Um homem, cuja própria mulher jamais o viu enquanto realizava um ato excretório, subitamente encontra-se nu, assistido por uma vestal, enquanto executa suas funções naturais dentro de um vaso sagrado. Esse tipo de tratamento cerimonial é necessário porque os excrementos são usados por um adivinho para diagnosticar o curso e a natureza da doença do paciente. Os clientes femininos, por seu lado, vêem seus corpos nus submetidos ao escrutínio, manipulação e cutucadas dos curandeiros.
       Poucos suplicantes no templo estão suficientemente bem para fazer qualquer coisa que não seja ficarem deitados em suas camas duras. As cerimônias diárias, como os ritos do "homem-da-boca-sagrada", envolvem desconforto e tortura. Com precisão ritual, as vestais acordam a cada madrugada seus miseráveis pacientes, rolam-nos em seus leitos de dor, enquanto realizam abluções, cujos movimentos formalizados são objeto de treinamento intensivo das vestais. Em outros momentos, elas inserem varas mágicas na boca do paciente, ou obrigam-no a comer substâncias que são consideradas curativas. De tempos em tempos, os curandeiros vêm a seus pacientes e introduzem agulhas magicamente tratadas em sua carne.  O fato de que essas cerimônias do templo possam não curar, e possam mesmo matar o neófito, não diminui de modo algum a fé do povo nos curandeiros.
       Ainda resta um outro tipo de especialista, conhecido como "escutador". Esse feiticeiro tem o poder de exorcizar os demônios que se alojam nas cabeças das pessoas que foram enfeitiçadas. Os Sonacirema acreditam que os pais enfeitiçam seus próprios filhos. As mães são particularmente suspeitas de amaldiçoarem suas crianças, enquanto ensinam a elas os ritos corporais secretos. A contra-magia do feiticeiro "escutador" é singular por sua ausência de ritual. O paciente simplesmente conta ao "escutador" todos seus problemas e medos, começando com as primeiras dificuldades de que pode se lembrar. A memória exibida pelos Sonacirema nessas sessões de exorcismo é verdadeiramente notável. Não é incomum que o paciente lamente a rejeição que sentiu ao ser desmamado, e alguns indivíduos chegam mesmo a localizar seus problemas retrocedendo aos efeitos traumáticos de seu próprio nascimento.
        Para concluirmos, deve-se mencionar certas práticas que estão baseadas na estética nativa, mas que dependem da aversão generalizada ao corpo e às suas funções naturais. Há jejuns rituais para tornar magras pessoas gordas, e banquetes cerimoniais para tornar gordas pessoas magras. Outros ritos são usados para tornar maiores os seios das mulheres, se eles são pequenos, e menores, se eles são grandes. Uma insatisfação geral com a forma dos seios é simbolizada pelo fato de que a forma ideal está virtualmente fora do espectro da variação humana. Umas poucas mulheres que sofrem de um quase inumano desenvolvimento hipermamário são tão idolatradas, que podem viver muito bem simplesmente indo de aldeia a aldeia, e permitindo aos nativos admirá-las mediante um pagamento.
        Já fizemos referência ao fato de que as funções excretórias são ritualizadas, rotinizadas e relegadas ao domínio do secreto. As funções reprodutivas naturais são igualmente distorcidas. O intercurso sexual é tabu como tópico de conversa, e programado enquanto ato. Esforços são feitos para evitar a gravidez por meio do uso de materiais mágicos, ou pela limitação do intercurso a certas fases da lua. A concepção é realmente muito pouco freqüente. Quando grávidas, as mulheres se vestem de forma a ocultar seu estado. O parto ocorre em segredo, sem amigos ou parentes para assistir, e a maioria das mulheres não amamenta seus bebês.
      Nossa descrição da vida ritual dos Sonacirema certamente mostrou que eles são um povo obcecado pela magia. É difícil compreender como eles conseguiram sobreviver por tanto tempo debaixo dos pesados fardos que eles mesmos se impuseram. Mas mesmo costumes tão exóticos quanto esses ganham seu verdadeiro sentido quando vistos a partir da perspectiva dada por Malinowski, quando escreveu (1948:70):
      "Olhando de cima de longe, de nossos lugares seguros e elevados da civilização desenvolvida, é fácil ver toda a rudeza e irrelevância da magia. Mas sem seu poder e sua orientação, o homem primitivo não poderia ter superado suas dificuldades práticas como o fez, nem poderia o homem ter avançado até os mais altos estágios da civilização."
REFERÊNCIAS CITADAS

LINTON, RALPH 1936 The Study of Man. NewYork, D. Appleton-Century Co.

MALINOWSKI, BRONISLAW 1948 Magic, Science, and Religion. Glencoe, The Free Press

MURDOCK, GEORGE P. 1949 Social Structure. New Y ork, The Macmillan Co.
1 Publicação original: “Body ritual among the Sonacirema”, American Anthropologist, Vol. 58, n° 3
(1956). p. 503-507.

2 University of Michigan, professor.